Veja este caso que, certamente, muitos conhecem: 18h30min horas do dia sete de dezembro de 2010. Local: corredor da Universidade Metodista Izabela Hendrix, em Minas Gerais. O professor Kássio Vinicius Castro Gomes, 29 anos de idade, caminha pelo corredor do Instituto Metodista, onde lecionava no curso de Educação Física. Mochila nas costas e um pacote de provas na mão esquerda. Seu lanche não mão direita.
É abordado por um aluno. Ingenuamente, o professor responde e aponta para o fundo do corredor. Nesse momento, o aluno tira uma faca da mochila e dá um golpe mortal e traiçoeiro no professor, e sai em disparada.
Preso em flagrante, o aluno logo tem um advogado à sua disposição, com a alegação de que o agressor sofre de transtornos mentais. Réu confesso, ele continua preso, aguardando o laudo da perícia médica que dirá se ele é ou não inimputável.
O texto que segue é de autoria de Igor Pantuzza Wildmann, advogado, doutor em Direito e professor universitário. Um texto lúcido, muito lúcido, bárbaro em suas afirmações, e, com clareza, dá a medida exata do que ocorre no setor educacional de nosso país:
“Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subseqüente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que…estudar!).
A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora foi brutalmente espancada por um aluno. O ápice dessa escalada macabra não poderia ser outro.
O professor Kássio Vinicius Castro Gomes pagou com a vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares.
Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo da conivência supostamente democrática.
No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando...
E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.”
Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo.
Um desses jovens, revoltado com as notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.
Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal a o autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:
Eu acuso os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos” e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;
Eu acuso os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;
Eu acuso a hipocrisia de exigir dos professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia-a-dia serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil do aluno;
Eu acuso os últimos tantos ministros da Educação que, em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;
Eu acuso a mercantilização do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e responsabilidade com o conteúdo e formação de alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;
Eu acuso a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual, finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto vale muito mais do que seu sucesso e felicidade amanhã;
Eu acuso a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, os quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu “tantos por cento;
Eu acuso a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;
Eu acuso os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;
Eu acuso os que agora falam em promover um “novo paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento;
Eu acuso os “cabeça – boa” que acham e ensinam que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito;
Eu acuso os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como Acuso os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição”.
Eu acuso veementemente os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam provas, ou pretendem que os professores sejam promoters de seus cursos.
Eu acuso diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quantos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência de incidentes maiores. Emile Zola
Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos, serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia-a-dia.
Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”.
A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.
Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.
Igor Pantuzza Wildmann
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No Brasil, 24% dos professores já sofreram algum tipo de agressão (moral ou física), ou ameaça, ou presenciaram agressões físicas por parte dos alunos. Pelo menos em 15% dos casos os pais ficaram ao lado dos filhos. Grande parte dos professores prefere o silêncio (ah, o silêncio dos bons). Não há quem grite o “basta”, como se o certo fosse o “deixar como está para ver como fica”. Por isso mesmo, está cada vez mais desvalorizado o ambiente escolar, onde a autoridade do mestre vem numa continua baixa. Desamparado e desautorizado em sua autoridade. Como se não bastasse o vergonhoso salário de toda a classe.
José Domingos
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