“Seja, porém, a tua palavra: sim, sim, não, não. O que disto passar, vem do maligno” (Mateus 5:37)
Um dos meus hinos prediletos declara: “Nunca, meu Mestre, cessarão meus lábios de bendizer-te, de cantar-te glória”. Ele expressa um desejo profundo do coração, mas não leva em consideração os Pedros do meio cristão. Fato é que, em alguma ocasião de nossa vida, todos já fomos, ou ainda seremos, como Pedro, que declarou “Nunca te abandonarei, nunca te envergonharei”, poucas horas antes de negá-lo escandalosamente (Mateus 26:31-35; Marcos 14:27-31; Lucas 22:31-34; João 13:36-38). Neste capítulo, quero falar de duas expressões usadas muitas vezes impensadamente por todos nós: nunca e sempre.
NUNCA DlGA “NUNCA” (a não ser em algumas ocasiões...)
Quem não se magoou quando alguém lhe disse "Você nunca acerta" ou "Você nunca percebe" ou outro "nunca" taxativo que nos coloca sob um rotulo de incapacidade, de vazio, de inacao? Os nuncas ditos por outros em referência as nossas próprias vidas nos doem; por vezes influenciam negativamente as criancas, permanecendo ate cinqüenta anos depois.
Talvez tenha sido a expressão que Sara ouviu de Abraão depois de dez ou vinte anos de casada e estéril (e ainda mais depois que a menopausa tornou-se definitiva): "Voce nunca vai conseguir engravidar", a ponto de ela tomar as coisas em suas próprias mãos e envolver Hagar no fiasco dos relacionamentos em sua família (Genesis 12; 15; 16; 21). A graça de Deus sobrepujou esse nunca, não apenas dando o filho prometido mas abençoando o filho de Hagar, e demonstrando aquilo que séculos depois o anjo Gabriel declarou a Maria sobre os nascimentos de João Batista e de Jesus: “Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas" (Lucas 1:37).
Pode ser que o coração dos irmãos de José estivesse dizendo "nunca" enquanto ele, vestindo a túnica talar colorida que seu pai lhe dera, relatava seus sonhos de feixes e estrelas. A inveja fez com que eles decidissem tomar uma atitude para garantir que ele nunca viesse a ter primazia, e Jose acabou no fundo de um poço e em seguida numa caravana de escravos (Genesis 37). "Nunca esse quase-caçula vai ser mais poderoso que nós; nunca nos curvaremos diante dele!" No entanto, anos depois, quando nem mais se lembravam da sua "morte", a fome apertou e eles precisaram buscar alimento no Egito, prostrando-se diante do irmão e vindo a depender totalmente da sua misericórdia para a sobrevivência da família.
Quatrocentos anos mais tarde, outro israelita disse a Moises: "Você nunca vai ser príncipe e juiz sobre nos... você é assassino!" (Êxodo 2:14). Talvez, depois de ter passado quarenta anos pastoreando rebanhos do sacerdote de Midiã, o próprio Moisés acreditasse que jamais teria atuação de comando para com seu povo. No entanto Deus o capacitou a ser príncipe, juiz, legislador e profeta diante deles, conforme vemos em todo o pentateuco e confirmado através da Bíblia toda.
Mesmo tendo ouvido falar dos milagres e da providência divina no passado, fosse ante o tamanho dos muros de Jerico no início da tomada de Canaã ou no caso do exército de trezentos homens armados de cântaros numa mão e espada na outra enfrentando os "gafanhotos" midianitas e amalequitas com Gideão, será que havia entre o povo de Deus quem dissesse: "Nunca possuiremos a terra"? Houve muitos "nuncas" de incredulidade em toda a história do povo de Deus, e ainda hoje os há.
Além do "nunca" da incredulidade, existe o "nunca" do desprezo, de alguém que não quer ver o bem de outrem porque acha que este não merece. Jefté, o gileadita (Juízes 11), talvez tivesse ouvido esse nunca do desprezo muitas vezes desde a infância. "Você nunca herdará alguma coisa do nosso pai, porque e filho de uma prostituta! E nunca prestara para nada!" Mas foi conclamado, por aqueles mesmos que o desprezaram, a ser cabeçaa do povo na luta contra os amonitas.
Há, porém, o nunca de Deus, declarado por Jesus: " 0 que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim, jamais terá sede... O que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora" (João 6:35 e 37). Ele prometeu saciar nossa fome e sede de justice nele mesmo e para sempre, e garantiu que quem participasse de sua vida nunca seria rejeitado! Ainda mais, nenhuma coisa, circunstancia ou pessoa jamais poderia nos separar do amor de Deus (Romanos 8:31-39). O Deus que nunca mente (Tito 1:2) prometeu que nunca estaremos longe do seu amor! E um dia, no futuro, nunca mais haverá para seus filhos doença, pranto ou dor, porque estarão para sempre na sua presença (Apocalipse 21:4,5).
CUIDE BEM DO SEU “SEMPRE”
A expressão sempre pode ser igualmente tirana na identificação de nossas falhas, seja em pequenas coisas como "Você sempre chega atrasado" e "Você sempre é desleixado", ou nas grandes como "Você sempre está dando foras" ou "Você esta sempre errado". Por que os erros de sempre são mais visíveis, mesmo quando menos freqüentes, do que os acertos de "uma vez ou outra"?! Posso até usar o "sempre" em relação as minhas próprias insuficiências, mas a verdade é que ouvimos diariamente, ano após ano, comentários negativos e sabotadores do caráter do próximo.
Vejamos como a Bíblia usa os "sempres":
O salmista, contrito, reconhece sua condição e confessa: “Pois eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim" (Salmo 51:3). Não há como esconder o que é e o que fez. Contudo, outro hino escrito pelo mesmo Davi declara a confiança do salvo quanto a presença de Deus em nossa vida: "Ó Senhor, tenho-o sempre à minha presença, estando ele à minha direita, não serei abalado" (Salmo 16:8). E sabemos que um dos nomes do Senhor é Emanuel, Deus Conosco — aquele que está sempre presente, sempre pronto, sempre fiel!
Da mesma forma, nós os filhos de Deus devemos estar sempre prontos para testemunhar nossa fé: "Antes, santificai a Cristo., como Senhor, em vossos corações, estando sempre prontos para responder a todo aquele que pedir razão da esperança que ha em vós” (1 Pedro 3:15). E somos conclamados pelo "prisioneiro de Cristo" que aprendeu a viver em contentamento em toda e qualquer situação, a nos alegrar sempre no Senhor (Filipenses 4:4).
Deus é o Deus "de eternidade a eternidade" (Salmo 90:1 e 2) — sempre, mesmo antes de existir tempo, espaço e matéria — e o será ainda depois que tudo que conhecemos como mundo acabar. Este sempre nos dá raízes, nos dá propósito, nos dá segurança. Quando aprendemos a submeter os nossos "sempres" à vontade de Deus, e não usar o termo para rotular pessoas ou circunstâncias, tal expressão dá sentido e liberdade à vida cristã. Evitemos o uso indiscriminado de nunca e sempre. Aprendamos a cumprir o que prometemos, a não ser irresponsáveis no que declaramos e a não nos precipitar em nossas promessas. Poderemos dizer então com o apóstolo: "Graças, porém, a Deus, que em Cristo sempre nos conduz em triunfo, e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento" (2 Coríntios 2:14).
Elizabeth Gomes
_____________________________________________________________Texto retirado do livro “Ética nas pequenas coisas”, um manual simples para quem quer agir com coerência e não sabe a quem perguntar.
Elizabeth Gomes é esposa de pastor, mãe de 3 filhos (todos no ministério) e avó. Estudou teologia no Seminário Bíblico Palavra da Vida e faz mestrado em aconselhamento no Trinity Seminary, Indiana, EUA. Reside e trabalha em Brasília como Ministérios Refúgio, escrevendo, ensinando e aconselhando.
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